Cérebro de homens e de mulheres
Atualizado: 12 de abr.

Mais conectividade entre ação e percepção versus mais comunicação entre o pro-
cessamento intuitivo e o analítico. Não é pequena a diferenciação entre o cérebro
masculino e o feminino que emerge das pesquisas mais recentes. Vai muito além
do que já era conhecido. Há bases neurais na distinção psicológica dos gêneros. A
começar pela sexualidade. O mesmo hipotálamo, um autêntico centro de controle
com apenas 4,5 gramas, que regula nossa temperatura e batimento cardíaco,
desempenha um papel-chave no comportamento sexual. O fato de ele ser maior
entre os homens somado à presença de um volume dez a vinte vezes mais elevado
de testosterona explica a maior impulsividade dos rapazes nesse terreno.
Os homens, com conexões em maior quantidade dentro de cada hemisfério
cerebral, têm mais habilidades cognitivas, se saem melhor nas tarefas motoras e
desfrutam de melhor orientação espacial. Ao passo que as mulheres, com um
corpo caloso mais denso, possuem mais conectividade entre os dois hemisférios,
o que leva a uma maior integração entre os estímulos e permite que se saiam me-
lhor em multitarefas — cuidar dos filhos, da casa, eventualmente de um compa-
nheiro ou companheira, trabalhar e estudar a cada dia. No trabalho, envolvem-se
com maior sucesso em um número maior de diferentes atividades. No geral, pode-
mos afirmar que o cérebro das mulheres parece mais eficiente e até mesmo mais
rápido que o dos homens.
Nos homens, o hemisfério esquerdo é dominante, o que propicia predileção
por cálculos, física, engenharia, enquanto que as mulheres, com um cérebro apro-
ximadamente 10% menor, têm um melhor balanceamento da atividade cerebral
entre os dois lados, levando-as frequentemente às áreas centradas em torno da lin-
guagem ou de pessoas. As diferenças também se revelam em distintas respostas
emocionais a determinados estímulos, que têm base anatômica. O córtex cingu-
lado anterior das mulheres, que antecipa, controla e integra as emoções negativas,
é maior e mais rapidamente acionado que o dos homens. Neles é através da visão
que a maior parte das informações chega ao sistema nervoso central, enquanto que o gênero feminino, para apreender o mundo a sua volta, é mais abrangente,
tendendo a utilizar, além da visão, a audição, o olfato e o tato.
Essas diferenças são acompanhadas por distintas percepções e modos de
processamento das informações. E é óbvio que isso se expressa fortemente na
publicidade. Um comercial apresentado no Festival de Cannes trouxe a história de
um garoto e seu amigo imaginário Monty, um pinguim, também solitário.* Real-
çado por uma trilha sonora adequada, mostrou um potencial de memorização 23%
maior entre os homens do que entre as mulheres. A Neuro-Insight, que realizou o
estudo em 2014, concluiu que os homens respondiam mais positivamente à narra-
tiva e eram menos sensíveis às cenas que mostravam a solidão do pinguim, ao
passo que nas mulheres tais cenas causavam uma acentuada tristeza. O esforço
inconsciente de livrar-se da memória negativa foi a causa provável para o baixo re-
call.

Sublinhar as diferenças entre os gêneros não deve nos levar a incorrer em
qualquer tipo de reducionismo. É provável que, assim como a preferência sexual
tem uma determinação genética e hormonal ainda na fase uterina, parte das dife-
renças de atitudes e comportamentos entre homens e mulheres é social e cultu-
ralmente determinada. E a publicidade pode e deve ajudar a remover barreiras.
Na perspectiva da quebra de tabus, uma campanha digital para o Latin Coope-
rative Oncology Group (Lacog) veiculada durante o outubro rosa de 2015 usou a
censura a seu favor, com o objetivo de aumentar o engajamento do público com
as pesquisas para a prevenção e cura do câncer de mama. Isso porque a imagem
do seio nu é bloqueada nas redes sociais por ser considerada “imprópria”. Forma-
dores de opinião, fotógrafos, modelos, celebridades e movimentos feministas vi-
ralizaram a hashtag #nudefightagainstcancer e publicaram em suas páginas a
marca da campanha sobre a tarja preta que normalmente cobre fotos das mamas.
A mecânica foi simples, as pessoas eram direcionadas ao site e lá baixavam o selo
da campanha para aplicá-lo a suas próprias imagens, como se vê a seguir.

Lacog: #nudefightagainstcancer. Rede social
Agência Blackninja
A subestimação das diferenças frequentemente se expressa na adoção de pers-
pectivas masculinas na comunicação em geral. Nunca é demais lembrar que todo
cuidado com campanhas machistas é pouco. Em abril de 2015, 73% das mulheres
brasileiras ouvidas pela consultoria de marketing Think Eva afirmaram ter interesse
em tecnologia, número bastante plausível se lembrarmos que mulheres são tão
dependentes de smartphones e outros gadgets eletrônicos quanto os homens,
porém outro dado do mesmo levantamento colocava o dedo na ferida: 76% delas
disseram que a propaganda das empresas de tecnologia se dirige apenas aos ho-
mens. Gol contra dos anunciantes do segmento e sobretudo de suas agências. E o
problema não parece se restringir ao segmento. A mesma pesquisa observou que
55,7% das mulheres disseram que nenhuma propaganda de qualquer categoria
havia chamado sua atenção recentemente. Que marca quer ficar emocionalmente
distante de um mercado cuja renda no Brasil é superior a 1 trilhão de reais?
Na mesma direção, uma avalanche de críticas despencou sobre a tão admi-
rada Apple quando esta, em seu evento anual de setembro do mesmo ano, ao
apresentar um novo modelo de tablet, o iPad Pro, usou um aplicativo da Adobe, o
Photoshop Fix, para editar no palco a foto da modelo que aparecia na tela, conver-
tendo em sorriso o que era originalmente uma expressão séria. “Forçar uma mu-
lher a sorrir” foi demais para muita gente, e os ataques ao deslize da marca pipo-
caram.
Outro caso polêmico ocorreu, também em 2015, na França, quando o canal
France 3 começou a veicular um comercial em homenagem às mulheres que foi
retirado do ar em seguida, classificado como sexista.** Na primeira cena aparece
uma cozinha, com destaque para o fogão de onde sai fumaça. Seguem-se imagens
de uma casa bagunçada. Depois surge um closet em que falta um par de sapatos.
Começa a tocar uma música que pergunta “onde estão as mulheres?”, vindo em
lettering a resposta, “elas estão no France 3”. Encerra com a frase “a maioria dos
nossos apresentadores são apresentadoras”. Resultado: uma avalanche de
comentários negativos nas redes sociais, com tamanha proporção que ganhou a
mídia internacional.
Na pesquisa brasileira analisada anteriormente, aparece um dado que pode
muito bem ser extrapolado para boa parte do mundo: das entrevistadas, 85,8%
gostariam que a inteligência fosse a principal característica ressaltada nas mulhe-
res quando elas fossem retratadas na publicidade. Leve o cérebro consciente delas
em conta na próxima campanha, mas fique atento, isso não exclui recorrer à ocito-
cina — amor, cuidado, aconchego — sempre que for necessário.
Do que as mulheres gostam
Em direção contrária ao exemplo anterior, uma campanha voltada para as mulhe-
res com posicionamento emocional eficaz é apresentada pela Dove. A receita da
marca é simples e objetiva. Ela mexe com a autoestima das consumidoras ao
incentivar cada uma das “mulheres reais” a valorizarem a sua própria beleza.
Mulheres comuns tendo a coragem de mostrar seu corpo quase totalmente ex-
posto, sem vulgaridade, numa espécie de reality show, ativam os neurônios-
espelho das espectadoras. Elas se reconhecem naquele grupo e se sentem à von-
tade, confortáveis consigo mesmas. Uma descarga também de ocitocina, que
impulsiona a autoconfiança e retroalimenta a relação com a marca.
Do que as mulheres gostam
Em direção contrária ao exemplo anterior, uma campanha voltada para as mulhe-
res com posicionamento emocional eficaz é apresentada pela Dove. A receita da
marca é simples e objetiva. Ela mexe com a autoestima das consumidoras ao
incentivar cada uma das “mulheres reais” a valorizarem a sua própria beleza.
Mulheres comuns tendo a coragem de mostrar seu corpo quase totalmente ex-
posto, sem vulgaridade, numa espécie de reality show, ativam os neurônios-
espelho das espectadoras. Elas se reconhecem naquele grupo e se sentem à von-
tade, confortáveis consigo mesmas. Uma descarga também de ocitocina, que
impulsiona a autoconfiança e retroalimenta a relação com a marca.

Dove: Real beleza. Anúncio de revista
Agência Ogilvy
O conceito há anos vem gravando a marca na intimidade das mulheres de
todo o planeta. Os primeiros resultados disso foram constatados no pós-teste realizado na França pelo instituto de pesquisa Ipsos, após o início da campanha.
Ouvidas trezentas mulheres, entre 15 e 60 anos, 42% delas associaram corre-
tamente a marca ao anúncio, percentual muito superior à média obtida pela publi-
cidade em geral no país, que era de 24%.
Quando se pensa na questão da propaganda do ponto de vista feminino, sem-
pre vale lembrar o filme Do que as mulheres gostam, lançado no Brasil em 2001.
Nele, Mel Gibson interpreta Nick Marshall, um publicitário habituado a fazer
comerciais voltados para os homens e que se vê obrigado a entender a cabeça
feminina quando sua chefe, Darcy McGuire, apresenta a toda equipe o desafio de
criar uma campanha para mulheres.
Cena do filme Do que as mulheres gostam
Distribuição: Paramount Pictures
Nick se perde em meio a uma caixa de produtos femininos entregue por sua
chefe para inspirá-lo a criar a campanha publicitária em questão. Ele então resolve
provar tudo de uma vez, como mostra a cena anterior, e, ao levar um choque elé-
trico, termina ganhando o “dom” de ouvir os pensamentos femininos. Hoje, Nick
e Darcy certamente ficariam entusiasmados com as possibilidades apresentadas
pela neuropropaganda para ajudá-los nessa tarefa.
Fonte:
BRIZENDINE, L. The female brain. Nova York: Morgan Road Books, 2006.
CORBALLIS, M. A very short tour of the mind: 21 short walk around the human brain.
Nova York: Overlook Duckworth, 2011.
DAVIDSON, R.; JACKSON, D.; KALIN, N. “Emotion, plasticity, context, and
regulation: perspectives from affective neuroscience”. Psychological Bulletin, n. 126,
2000, p. 890-909.
HERCULANO-HOUZEL, S. Pílulas de neurociência para uma vida melhor. Rio de Ja-
neiro: Sextante, 2009.
HILL, D. About face: the secrets of emotionally effective advertising. Nova York: Kogan
Page, 2010.
HORGAN, J. A mente desconhecida: por que a ciência não consegue replicar, medicar e
explicar o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
PINKER, S. The language instinct: how the mind creates languages. Nova York: Harper
Perennial, 1994.
LAVAREDA, Antonio Neuropropaganda de A a Z, o que um publicitario nao pode desconhecer, 2016
https://www.youtube.com/watch?v=tLSUDUth3Sk
http://www.dailymotion.com/video/x38q8fu_la-publicite-sexiste-de-france-3_news